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O sustento do Melhor Amigo

Certa vez, no escritório, atendi um pai que pretendia antecipar o pagamento da pensão alimentícia aos filhos, antes que sua esposa (representante legal) movesse uma Ação de Alimentos contra ele. É uma forma legal do pai não ser Réu num processo proposto pelo próprio filho, além de outros benefícios, como evitar a fixação dos alimentos provisórios nos parâmetros exclusivamente apresentados pelos Autores, outro, de não ser rotulado de pai omisso, etc.

No entanto, a máscara daquele pai preocupado com o sustento dos filhos caiu repentinamente e percebi uma face avermelhada de vergonha que desviava o olhar para dizer: – Doutora, meu sócio assinou a minha carteira de trabalho como empregado da empresa, com o salário de apenas R$800,00 (oitocentos reais). Com isso, a causa está ganha e minha ex mulher não terá argumentos para pedir mais que um salário mínimo para ambos os filhos!

Eu não sabia se ria ou se chorava, se o mandava embora ou o aconselhava. O mix de psicóloga-advogada-mãe me levou à última opção. Comecei informando que tais métodos de burlar a lei não perduram do judiciário pois existem outras provas da condição financeira, além da carteira de trabalho. O próprio fato de transferir as quotas da sociedade para o “amigo patrão”, facilmente localizável na junta comercial, já seria um indício dessa fraude.

– Ah, doutora, minha ex mulher não vai contratar bons advogados, ela não tem onde cair morta. Não se preocupe comigo!

Achei que era uma pegadinha… preocupar-me com ele? Jamais. Preocupo-me com família, com essas crianças pelo pai que têm e que certamente sofrerão mudanças radicais no dia a dia (estudar em escola mais barata, mudar plano de saúde, morar com os avós…). Não adianta termos uma ótima lei de família se a matéria prima é podre. Antes de melhorar a lei, o cidadão tem que melhorar, pais e mães têm que melhorar suas condutas, seja com os filhos ou consigo mesmos. Será que esse tipo consegue dormir sossegado?

Perguntei se ele pretendia visitar os filhos … – Claro, os levarei à Disney todo ano!

Calculei mentalmente quanto custa uma viagem a Disney, pai e dois filhos , passagem, hotel, tickets dos parques, transporte e alimentação…U$15.000,00 no barato. Dividi por 12 meses, R$2.000,00 por mês. Então propus que usasse o dinheiro da viagem anual para acrescentar nas despesas com os filhos.

– Pode ser.

Continuei calculando o valor dos honorários advocatícios e custas processuais num processo litigioso…R$12.000,00 por aí. Dividi por 12 meses, R$1.500,00 por mês. Então propus que usasse o dinheiro dos honorários para acrescentar nas despesas com os filhos.

Ele perguntou: – Você é advogada de quem?

Quem responderia essa pergunta: a advogada, a psicóloga ou a mãe, já em debate?

– Por enquanto sua!!! Antecipou a advogada com interesse na causa. Mas logo levou um empurrão da psicóloga que prosseguiu:

– Mas é preciso dizer que seus filhos estão em formação e a mudança radical no padrão de vida pode causar um trauma na vida deles.

Mas existia um vácuo não dito, algo mais importante que não se reveste de profissão. Foi aí que a mãe dentro de mim colocou a mão no ombro do cliente, olhou nos olhos dele e disse: – O que é melhor para você, nem sempre coincide com o que é melhor para o seu bolso. Seus filhos estão crescendo, se tornarão adultos, poderão ser bons amigos e um dia você poderá precisar deles. Depois virão os netos, que terão orgulho do vovô… tudo depende da sua conduta hoje.

O cliente encheu os olhos d’água, baixou a cabeça, pagou a consulta e nunca mais voltou.

por Lúcia Miranda

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