Quem dera ser um Beagle…

Avise aos invasores do Instituto Royal que das 120 mil crianças abandonadas nos abrigos do Brasil, apenas oito mil estão disponibilizadas para a adoção, segundo dados do IPEA. As demais, não têm qualquer perspectiva de conviver em família.
É que, enquanto os nomes dos pais ausentes estiverem nas certidões de nascimento, nossos pequenos cidadãos ficam impedidos de ser adotados. O único meio para destituir a paternidade desmerecida é a via judicial promovida pelo Ministério Público, aquele mesmo que não admite perder o trabalho nas investigações criminais e por quem fomos às ruas para não deixar passar a PEC 37, sob o risco de esvaziar as suas funções. Quer mesmo trabalhar? Então mãos à obra…
Lembre-se do art. 227 da Constituição Federal que determina o direito da criança à convivência familiar e comunitária, com prioridade absoluta. Lembre-se do Estatuto da Criança e do Adolescente que determina o acolhimento em abrigos como medida transitória para a colocação em família substituta!
Ah, também está escrito na Carta Maior que a responsabilidade para o exercício desses direitos infanto-juvenis é da família, da sociedade e do Estado… o que estamos esperando?
Na prática, nossas crianças se eternizam nessas instituições, sem a consciência do direito que conhecemos tão bem, mas nem sempre damos o devido valor. Refiro-me ao dia a dia na família, ao zelo, ao cuidado e amor maternal distante e jamais experimentado por elas.
Por outro lado, não faltam pessoas interessadas em adotar. São mais de trinta mil inscritas no cadastro de adotantes – apesar da maioria desprezar crianças negras, deficientes, portadoras de doença ou as maiores de cinco anos… essas, ninguém quer!
O grande problema é que o tempo passa e ninguém vê, pois esses cadastros são sigilosos a pretexto de proteger a privacidade de nossas crianças enquanto lhes falta o mínimo de dignidade. Só quem têm acesso aos cadastros de adotantes e adotados são aqueles que contribuem, por ação ou omissão, para a evaporação da infância.
Será mesmo que a privacidade dessas crianças deve se sobrepor ao exercício do direito à convivência familar? Bom, como estamos falando de pequenos seres esquecidos, dificilmente esta questão será assunto para a mídia, ocupada com a privacidade dos cantores famosos, ricos e felizes.
Então, pense melhor antes de levar um Beagle para casa…
Por Lúcia Miranda, advogada especialista em direito da criança e do adolescente e em direito de família.