VOLTAR por Dra. Lúcia Tina

Quem dera ser um Beagle…

por Lucia Tina

Avise aos invasores do Instituto Royal que das 120 mil crianças abandonadas nos abrigos do Brasil, apenas oito mil estão disponibilizadas para a adoção, segundo dados do IPEA. As demais, não têm qualquer perspectiva de conviver em família.

É que, enquanto os nomes dos pais ausentes estiverem nas certidões de nascimento, nossos pequenos cidadãos ficam impedidos de ser adotados. O único meio para destituir a paternidade desmerecida é a via judicial promovida pelo Ministério Público, aquele mesmo que não admite perder o trabalho nas investigações criminais e por quem fomos às ruas para não deixar passar a PEC 37, sob o risco de esvaziar as suas funções. Quer mesmo trabalhar? Então mãos à obra…

Lembre-se do art. 227 da Constituição Federal que determina o direito da criança à convivência familiar e comunitária, com prioridade absoluta. Lembre-se do Estatuto da Criança e do Adolescente que determina o acolhimento em abrigos como medida transitória para a colocação em família substituta!

Ah, também está escrito na Carta Maior que a responsabilidade para o exercício desses direitos infanto-juvenis é da família, da sociedade e do Estado… o que estamos esperando?

Na prática, nossas crianças se eternizam nessas instituições, sem a consciência do direito que conhecemos tão bem, mas nem sempre damos o devido valor. Refiro-me ao dia a dia na família, ao zelo, ao cuidado e amor maternal distante e jamais experimentado por elas.

Por outro lado, não faltam pessoas interessadas em adotar. São mais de trinta mil inscritas no cadastro de adotantes – apesar da maioria desprezar crianças negras, deficientes, portadoras de doença ou as maiores de cinco anos… essas, ninguém quer!

O grande problema é que o tempo passa e ninguém vê, pois esses cadastros são sigilosos a pretexto de proteger a privacidade de nossas crianças enquanto lhes falta o mínimo de dignidade. Só quem têm acesso aos cadastros de adotantes e adotados são aqueles que contribuem, por ação ou omissão, para a evaporação da infância.

Será mesmo que a privacidade dessas crianças deve se sobrepor ao exercício do direito à convivência familar? Bom, como estamos falando de pequenos seres esquecidos, dificilmente esta questão será assunto para a mídia, ocupada com a privacidade dos cantores famosos, ricos e felizes.

Então, pense melhor antes de levar um Beagle para casa…

Por Lúcia Miranda, advogada especialista em direito da criança e do adolescente e em direito de família.



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Dos filhos deste solo, sem mãe gentil…

por Lucia Tina

Faltam vozes de crianças nos manifestos de rua! Será que seus direitos estão plenamente efetivados ou será que lhes falta o direito de expressão?

Meu grito é por elas! Pelas oitenta mil crianças abrigadas, abandonadas pelas famílias, pela sociedade e pelo Estado.

É hora de espernear, de fazer manha, de chorar, implorar, se jogar no chão, bater as pernas, fazer pirraça, perturbar… e não me venham com chupetas para calar esse clamor, com lei de adoção para dizer ao povo que o cadastro nacional de adotantes e adotados resolveu o problema, se a maioria de nossos pequenos cidadãos sequer tem direito ao cadastro por falta de estrutura e baixo número de promotores para destituir o poder familiar dos pais ausentes.

Sim, porque só podem exercer o direito de conviver numa família (substituta que seja) se seus pais forem excluídos das certidões de nascimento e só quem pode fazer isso é o Ministério Público e o juiz. Das oitenta mil crianças abrigadas no Brasil, apenas oito mil estão cadastradas para a adoção, sendo que existem trinta mil pessoas registradas para exercer a paternidade adotiva, um verdadeiro desperdício de amor…

Esse é o grito mais alto, o da criança abandonada nos abrigos, sem a oportunidade de exercer o simples direito de viver num lar, numa família, o direito de amar e ser amado. O grito da criança que não nasceu em berço esplêndido, que em seu futuro não espelha qualquer grandeza e que apesar de ser filho deste solo, não há mãe gentil, nem pai, nem sociedade, nem governo e nem Brasil!

Essa é a minha pauta!



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